
....olhar o lado bom da vida. Ou melhor, não é difícil olhá-lo mas é difícil relativiza-lo relativamente ao lado menos bom. Ou mau, mesmo. Porque ele também existe.
Ultimamente ouço muito falar de notícias tristes. E não daquelas do conhecido daquele amigo do amigo ou da avó da amiga. Não. Daquelas aqui mesmo ao lado. Do filho da amiga. Da amiga. Do colega de escola. E não são aquelas notícias tristes mas que têm solução. São mesmo daqueles casos tramados ou raríssimos ou altamente improváveis.
Há não tanto tempo atrás, para conhecer alguém que tivesse morrido com cancro tinha que pensar muito. Hoje tenho os exemplos mais próximos. Essa maldita doença levou as avós dos meus filhos e todos os dias o Manuel me vai perguntado onde fica esse sítio tão longe onde elas agora estão.
No outro dia, numa conversa entre amigos, falávamos disto e de quais são as nossas expectativas em relação ao nosso futuro. Ou queremos acompanhá-los até se formarem. Ou até casarem. Ou terem filhos. E eu confessei a minha:
quero que se lembrem de mim. Não me interpretem mal. Sonho poder acompanhá-los pela vida fora mas tenho tanto medo de não o conseguir fazer. E como nunca fui rapariga de me pôr grandes expectativas tento pensar friamente que quero que se lembrem de mim.
Às vezes (muitas vezes) tenho medo de estar a fazer tudo mal. Tenho um trabalho a tempo inteiro, tenho a minha marca e sobra-me tão pouco tempo para apenas estar. Há dias, semanas em que não me sobra tempo nenhum para não fazer nada. As minhas horas de almoço do meu trabalho são quase sempre aproveitadas para trabalhar na Cappies and Lanas e são raras as noites em que, depois de os deitar, não tenho alguma coisa para fazer: preparar encomendas, coser etiquetas, preparar moldes. Muitas vezes mesmo naquele intervalo de fim de tarde entre o chegar a casa e ser hora de irem dormir eu estou ali com eles mas com a cabeça em tudo o que tenho para fazer e no medo de não conseguir chegar a tudo ou de não conseguir que seja o molde perfeito ou que a combinação não fique bem. Um medo idiota porque apesar de, naquele momento, não conseguir fazer nada em relação a isso, estou só a perder o melhor de estar com eles.
Não me interpretem mal, não faço isto por obrigação. Faço porque sempre gostei de trabalhar e sempre fui educada a não viver à sombra de nada. E lá em casa, falamos muito sobre isto, de trabalhar muito enquanto podemos para poder dar aos nossos filhos as melhores oportunidades que puderem ter. Para isso e para nos salvaguardarmos de alguma eventualidade como aquela que já nos aconteceu com o Manuel. Mas claro que fica sempre a dúvida. Porque esta coisa de não sabermos se as decisões que tomamos vão ter o impacto que achamos no futuro... Esta coisa da incerteza do rumo da vida. Esta coisa é do mais tramado que há.
E desculpem este desabafo (isto se tiveram força para fazer scroll down até aqui) mas estas são as minhas maiores angústias e elas às vezes são tão intensas que não consigo que fiquem apenas dentro de mim.
Queria ter a leveza de uma certa ignorância de não saber que as coisas más existem. De não ir às vezes na rua e ter vontade de me sentar num canto a chorar porque sinto falta da minha mãe. Ou de não conseguir adormecer por ter medo pela minha amiga que agora está doente. Queria ter essa leveza mas herdei da minha mãe esta incapacidade de parar o cérebro e esvazia-lo de preocupações. Felizmente também herdei esta capacidade de conseguir dar a volta a estes pensamentos e procurar o que há de bom nas pequenas coisas e de usar as mãos para terapia com o tricot ou outros trabalhos manuais.
Mas há dias difíceis e estas últimas notícias têm-me feito vacilar. Às vezes é difícil ver o lado bom da vida. Mas temos que fazer com que não seja impossível.