Novelos

20.3.25


A minha cabeça está sempre cheia de pensamentos. Na maioria dos dias, parecem organizar-se sozinhos, como se respeitassem o espaço uns dos outros. Mas há dias em que se atropelam, confundem-se, e por mais que os tente pôr em ordem, simplesmente não consigo.

Acho que já aqui disse mais do que uma vez que foi muito mais fácil ser filha do que está a ser ser mãe. Naquela altura, tinha todas as respostas na ponta da língua e sabia exatamente onde a minha mãe tinha falhado e o que poderia ter feito melhor. Sim, fui essa adolescente… a dona da verdade absoluta.

Agora, como mãe, dou por mim tantas vezes a olhar por cima do ombro, quase à procura dela. Queria perguntar-lhe se estou a fazer bem, se é assim que se faz, porque tantas vezes sou invadida por dúvidas e pelo medo de errar. Respiro fundo e lembro-me de que só posso dar o meu melhor e esperar que resulte—tal como imagino que a minha mãe tenha feito comigo. Como num jogo de roleta, em que lanças os dados agora e só muito mais tarde descobrirás se acertaste no número certo.

Talvez tudo isto talvez se resuma à falta permanente que sinto da minha mãe. Queria tê-la aqui, agora. Queria poder pedir-lhe ajuda para acabar aquela camisola de tricot… ou melhor ainda, que fizesse aquela mais difícil, porque sei que eu nunca a conseguirei fazer.

A minha mãe tinha uma alegria inocente nas pequenas coisas. Ficava genuinamente feliz quando um prato novo saía bem ao jantar, quando terminava um xaile de tricot, quando encontrava um novelo exatamente na cor que queria. Até um simples elogio sobre algo que para os outros podia parecer uma trivialidade lhe iluminava o dia. E eu sinto falta disso. De tudo isso e de tantas outras coisas que a minha memória foi guardando em recantos cada vez mais distantes.

Mas o que me custa mais é saber que os meus filhos não a têm para os mimar, para lhes trazer pequenas surpresas, para fazer coisas especialmente para eles. Sei que, se cá estivesse, passaria os dias a inventar maneiras de lhes dar esse amor em gestos simples, mas tão dela.

Mas acredito — e, em alguns dias, obrigo-me a acreditar — que essa presença ainda existe. Que se manifesta nas pequenas coisas que faço, quase da mesma maneira que ela fazia. Quero acreditar que, mesmo na ausência, há um bocadinho dela no carinho que dou aos meus filhos, seja nas refeições que preparo, nos bilhetes que lhes deixo nas lancheiras, numa peça que compro de surpresa a pensar em cada um deles, ou nas camisolas, desenhos e até fatos de Carnaval que lhes fui fazendo ao longo dos anos.

Quero acreditar que a avó que não lembram — e que, à exceção do Manuel, não chegaram a conhecer — vive também neles, ainda que de uma forma mais subtil, mais ténue.

Na minha cabeça, todas estas memórias coexistem, ora leves como uma brisa, ora pesadas de saudade.

Fast forward....

21.2.25


Um dia, talvez os miúdos venham espreitar aqui para ler sobre como eram os nossos dias. Os sítios onde íamos, o que gostávamos de cozinhar ou para onde gostávamos de passear. Como passámos a quarentena da pandemia de COVID ou como nos adaptámos ao capacete que o Manuel usou durante o primeiro ano de vida. Acredito que este blog — que criei nos corredores de um hospital, enquanto acompanhava a minha mãe na luta mais dura de que tenho memória — possa, então, cumprir o papel que sempre imaginei para ele: ser um diário de memórias.

A nossa vida, e o mundo à nossa volta, mudou muito desde o meu último post. Os miúdos cresceram, as nossas vidas profissionais tornaram-se (ainda) mais intensas e os nossos dias passaram a estar tão preenchidos que deixei de ter tempo (e, para ser totalmente honesta, vontade) de vir aqui registar as pequenas coisas do quotidiano.

O Instagram cresceu e tornou-se mais fácil documentar (quase) tudo com uma imagem. Foi giro, e até muito divertido, ter um álbum fotográfico organizado que os miúdos espreitam e para o qual vão contribuindo à medida que crescem. Mas, com o tempo, o mundo pareceu dividir-se entre o que era "instagramável" e o resto. Como se houvesse uma regra invisível, mas omnipresente, de que a vida tem de ser leve. E bonita. E saborosa. Sem birras. Cheia de acontecimentos.

E depois não. De repente, passou a ter de ser uma slow life, com pão caseiro de fermentação natural, tudo feito em casa, nada de coisas artificiais, mas sempre muito satisfatória, porque os dias tinham tempo para tudo.

E depois não. O Instagram passou a ter de ser realista, a mostrar a vida como ela é. Tão real que começámos a saber detalhes que não precisávamos de conhecer. Tudo ficou tão confuso que se tornou turvo. Como um labirinto.

Mas um dia, talvez os miúdos venham aqui espreitar e perceber como vivemos estes anos. Talvez leiam um pouco do que fui escrevendo e documentando. Eu própria tentei navegar essas águas — entre o que era suposto ser e como deveria fazer. Não sei o que irão achar, mas espero que consigam ver aquilo que sempre quis mostrar-lhes por aqui.

Será que estou de volta? Agora que os blogs sairam de moda, sou capaz de voltar.

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